Filosofia, antes de qualquer coisa, é a busca de entender a nossa existência.
Assim, filosofia é coisa de TODOS.
Muito do que se pensou antes do calendário cristão ainda parece atual nos dias de hoje. É o caso da Carta sobre a Felicidade, de Epicuro, Filósofo fundador de escola em Atenas.
Você o conhece?
Epicuro nasceu na Ilha de Samos, em 341 a.C.
Teve sua própria escola de Filosofia, em Atenas, era conhecido pela sabedoria e serenidade, embora a dor lhe acompanhasse em vida, em razão de sérios problemas renais.
O propósito da filosofia para Epicuro era atingir a felicidade, estado caracterizado pela ausência de dor física e espiritual.
Epicuro percebeu que as pessoas eram muito supersticiosas e haviam se afastado da verdadeira função das religiões e dos deuses. Os deuses, segundo ele, viviam em perfeita harmonia, desfrutando da bem-aventurança (felicidade) divina. Não seria preocupação divina atormentar o homem de qualquer forma. Os deuses deveriam ser tomados como foram em tempos remotos, modelos de bem-aventurança que servem como modelo para os homens e não seres instáveis, com paixões humanas, que devem ser temidos.
Desta forma procurou tranquilizar as pessoas quanto aos tormentos futuros ou após a morte. Não há por que temer os deuses nem em vida e nem após a vida. "E além disso, depois de mortos, como não estaremos mais de posse de nossos sentidos, será impossível sentir alguma coisa. Então, não haveria nada a temer com a morte", dizia.
No entanto, a caminho da busca da felicidade, ainda estão as dores e os prazeres. Quanto às dores físicas, nem sempre seria possível evitá-las. Mas Epicuro faz questão de frisar que elas não são duradouras e podem ser suportadas com as lembranças de bons momentos que o indivíduo tenha vivido.
Piores e mais difíceis de lidar são as dores que perturbam a alma. Essas podem continuar a doer mesmo muito tempo depois de terem sido despertadas pela primeira vez. Para essas, Epicuro recomenda a reflexão. As dores da alma estão frequentemente associadas às frustrações.
Das 300 obras escritas pelo filósofo, restaram apenas três cartas que versam sobre a natureza, sobre os meteoros e sobre a moral, e uma coleção de pensamentos, fragmentos de outras obras perdidas.
Por suas proposições filosóficas Epicuro é considerado um dos precursores do pensamento anarquista no período clássico.
CARTA SOBRE A FELICIDADE
(À MENECEU)
Que
ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse
de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou
demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a
hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou é
como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser
feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho:
para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata
recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer
sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto,
cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la.
Pratica
e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre te transmiti, na
certeza de que eles constituem os elementos fundamentais para uma vida
feliz.
Em primeiro lugar, considerando a divindade como um ente
imortal e bem-aventurado, como sugere a percepção comum de divindade,
não atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua imortalidade,
nem inadequado com a sua imortalidade, nem inadequado à sua
bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for capaz de
conservar-lhe felicidade e imortalidade.
Os deuses de fato existem
e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a
maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar
a noção que têm dos deuses. Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a
maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa
maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se
baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que
eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos
bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a
convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja
diferente deles.
Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é
nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é
justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte
não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem
querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de
imortalidade.
Não existe nada de terrível na vida para quem está
perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de
viver. É tolo portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada
desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo
que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto
está sendo esperado.
Então, o mais terrível de todos os males, a
morte, não significa nada pra nós, justamente porque, quando estamos
vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte
está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem
para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe,
ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das
pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja
como descanso dos males da vida.
O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não-viver não é um mal.
Assim
como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do mesmo
modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.
Quem
aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem não passa de um
tolo, não só pelo que a vida tem de agradável para ambos, mas também
porque se deve ter exatamente o mesmo cuidado em honestamente viver e em
honestamente morrer. Mas pior ainda é aquele que diz: bom seria não ter
nascido, mas, uma vez nascido, transpor o mais depressa possível as
portas do Hades.
Se ele diz isso com plena convicção, por que não
se vai desta vida? Pois é livre para fazê-lo, se for esse realmente seu
desejo; mas se o disse por brincadeira, foi um frívolo em falar de
coisas que brincadeira não admitem.
Nunca devemos nos esquecer de
que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para
não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda
certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.
Consideremos
também que, dentre os desejos, há os que são naturais e os que são
inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas
naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a
felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a
própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda
escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do
espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse
fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do
medo.
Uma vez que tenhamos atingido esse estado, toda a tempestade
da alma se aplaca, e o ser vivo não tendo que ir em busca de algo que
lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do corpo,
estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando
sofremos pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa
necessidade não se faz sentir.
É por essa razão que afirmamos que o
prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o
identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão
dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos escolhendo
todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor.
Embora o
prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer
prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos
advém efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos
muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier
depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer
constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos
são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem
ser sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e
sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há
ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário,
um mal como se fosse um bem.
Consideramos ainda a autossuficiência
um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos
contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente
convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem
dela; tudo o que é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.
Os
alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais
requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água
produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles
necessita.
Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não
luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda
proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as
adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma
existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveita-la, e nos
prepara para enfrentar sem temos as vicissitudes da sorte.
Quando
então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos
prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos,
como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não
concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é
ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são,
pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e
rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta
que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as
causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões
falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos
espíritos. De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo
bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é
dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que
não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe
prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes estão
intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas.
Na
tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio,
que tem um juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de modo
absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende a
finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas
simples e fáceis de obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos
causa sofrimentos leves? Que nega o destino, apresentado por alguns como
o senhor de tudo, já que as coisas acontecem ou por necessidade, ou por
acaso, ou por vontade nossa; e que a necessidade é incoercível, o
acaso, instável, enquanto nossa vontade é livre, razão pela qual nos
acompanham a censura e o louvor?
Mais vale aceitar o mito dos
deuses, do que ser escravo do destino dos naturalistas: o mito pelo
menos nos oferece a esperança do perdão dos deuses através das
homenagens que lhes prestamos, ao passo que o destino é uma necessidade
inexorável.
Entendendo que a sorte não é uma divindade, como a
maioria das pessoas acredita (pois um deus não faz nada ao acaso), nem
algo incerto, o sábio não crê que ela proporcione aos homens nenhum bem
ou nenhum mal que sejam fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que
dela pode surgir o início de grandes bens e de grandes males. A seu ver,
é preferível ser desafortunado e sábio, a ser afortunado e tolo; na
prática, é melhor que um bom projeto não chegue a bom termo, do que
chegue a ter êxito um projeto mau.
Medita, pois, todas estas
coisas e muitas outras a elas congêneres, dia e noite, contigo mesmo e
com teus semelhantes, e nunca mais te sentirás perturbado, quer
acordado, quer dormindo, mas viverás como um deus entre os homens.
Porque não se assemelha absolutamente a um mortal o homem que vive entre
bens imortais.
Fonte: winkipedia e blog ateus.
Valeu Ritinha!
ResponderExcluirBom para refletir.
Beijos!